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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

MP 557 e o Cadastro Nacional de Gestantes: avanço ou retrocesso?

Em meio a toda movimentação de final de ano, com visitas chegando e mil coisas para resolver, acabei ficando por fora de algumas notícias. E ontem, ao abrir meu Twitter, fiquei surpresa com a enxurrada de posts e comentários criticando a publicação da MP 557, em 26 de dezembro último, que institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para a prevenção da Mortalidade Materna. Em suma, a MP visa construir um cadastro "universal" de gestantes e puérperas de modo a permitir a avaliação e o acompanhamento da atenção à saúde por elas recebidas durante o pré-natal, parto e puerpério. Com isso, objetiva-se identificar as situações de risco e reduzir os índices de mortalidade materna, alcançando as metas estipuladas pela ONU. Blogueiros e blogueiras, twiteiros e twiteiras de vários segmentos, atentos aos movimentos feministas e à pauta atual de lutas das mulheres, se posicionavam contra a publicação da medida provisória. Entre eles, Maria Frô (Conceição Oliveira), Fátima Oliveira (médica e membro do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução), Eduardo Viveiros de Castro (antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ), Idelber Avelar (professor de literaturas latino-americanas e teoria literária da da Tulane University/EUA).

A publicação da MP 557 representa, ao que tudo indica, a consolidação das medidas previstas pela Rede Cegonha, lançada em março deste ano pela predisenta Dilma Roussef. Através do SUS (Sistema Único de Saúde), a Rede Cegonha previa um conjunto de medidas que garantiriam às mulheres brasileiras "um atendimento adequado, seguro e humanizado desde a confirmação da gravidez, passando pelo pré-natal e pelo parto, até os dois primeiros anos de vida do bebê". Na época do lançamento da Rede, o Ministério da Saúde pretendia destinar quase 10 bilhões de reais para serem investidos até 2014 e que deveriam ser mobilizados, principalmente, na construção de uma rede de cuidados primários à mulher e à criança.

Quando lançada, a Rede Cegonha já mobilizou uma série de críticas vindas de figuras importantes do movimento feminista e movimentos da saúde no Brasil. Sobre isso, vale a pena ler a entrevista com a cientista social Telia Negrão, no blog Vi o Mundo (Luiz Carlos Azenha), publicada em 5 de abril de 2011. Ou, ainda, a entrevista com a farmacêutica e professora de Dep. de Saúde Pública da UFSC, Clair Castilhos, também no Vi o Mundo, em 2 de abril de 2011.

O que me parece mais relevante no texto da medida provisória, que deverá ser coordenada pela União, através do Ministério da Saúde, em cooperação com as administrações estaduais e municipais? Em primeiro lugar, é importante salientar que o sistema de cadastro visa alcançar mulheres clientes dos serviços públicos e privados de saúde, conveniados ou não ao SUS, desde que realizem acompanhamento pré-natal, assistência oa parto e puerpério. E, por isso, a publicação da MP inclui a modificação da lei n. 8.080, do Subsistema de acompanhamento da gestação e do trabalho de parto, parto e puerpério (de 19 de setembro de 1990), através do art. 19-J que diz:
Os serviços de saúde públicos e privados ficam obrigados a garantir às gestantes e aos nascituros o direito ao pré-natal, parto, nascimento e puerpério seguros e humanizados.
Quanto ao cadastro, a MP prevê a relação de gestantes e puérperas de risco, ocorrência de óbitos entre gestantes e puérperas com informações sobre as causas dos óbitos e o fornecimento, para as autoridades sanitárias, das informações necessárias à investigação das causas de óbito. Para as mulheres, a MP visa garantir a ampliação do acesso e qualificação do atendimento às gestantes e puérperas, previnindo a mortalidade materno-infantil e, nesse sentido, prevê um benefício de R$50 para toda mulher que for cadastrada no Sistema Nacional "com o objetivo de auxiliar o seu deslocamento e seu acesso às ações e aos serviços de saúde relativos ao acompanhamento do pré-natal e assitência ao parto prestados pelo SUS, nos termos do regulamento".

O art. 11 da MP assegura o acesso público à relação das beneficiárias em meios eletrônicos de acesso público e em outros meios previstos em regulamento.

Mas qual seria o motivo da polêmica e das críticas se, a princípio, a MP 557 surge no sentido de ampliar o acesso das mulheres brasileira ao atendimento pré-natal de qualidade, ao parto humanizado e aos cuidados corretos e seguros no puerpério? A questão é que o cadastro público expõe a intimidade das gestantes e, principalmente, suas escolhas durante a gestação, incluindo a opção pelo aborto. Eis o ponto nevrálgico do debate: a criação de um sistema nacional e público de cadastro de gestantes e puérperas pode, em última instância, representar um retrocesso na luta pela descriminalização do aborto. E os abortos clandestinos e não assistidos - que causam inúmeras mortes entre as mulheres - continuam fazendo das mulheres "criminosas". Para além disso, a noção de vigilância presente no próprio título da medida provisória parece ferir drasticamente o direito da mulher de ser agente, ativa, no controle do seu próprio corpo, da sua intimidade e da sua capacidade reprodutiva. Sobre isso, Maria Frô publicou em seu twitter ontem:
Um bom exercício para turma que não vê problema em controle é imaginar um governo não amigável e vc foco deste controle.
O foco das críticas à MP seguem, portanto, na mesma linha das reivindicações pelo aborto legal: o direito da mulher de "legislar" sobre seu próprio corpo. Aliás, o tema dos direitos reprodutivo não é sequer lembrado no texto da MP. E, nesse sentido, parece estranho, realmente, que o tal Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para a prevenção da Mortalidade Materna, tenha sido instituído através de uma medida provisória (ou seja, através de uma canetada da presidenta, a despeito de qualquer consulta ou discussão mais ampla de democrática), publicada em época de Natal quando, naturalmente, a população está voltada às festas de final de ano.

O fato é que enquanto lutamos pelo aborto legal - sendo que este foi um tema importante durante no pleito eleitoral que colocou Dilma na presidência - o governo cria um sistema nacional de cadastro que, evidentemente, tem o potencial de colocar as mulheres que abortam no alvo do mesmo Estado que, hoje, criminaliza o aborto. E isso torna este debate essencial, necessário e urgente. Fiquemos atentos!

O debate pode ser acompanhado pelos twitter de @maria_fro, @oliveirafatima e @padilhando, do Ministro da Saúde Alexandre Padilha que, digno de mérito, tem respondido a todas as questões sem fugir do debate.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Porque "chove não molha"?

Em meados de 2011, fui convidada para participar de um blog coletivo chamado Chuva Ácida. O convite veio de um aluno e amigo, por quem tenho respeito e admiração. Além disso, fiquei sabendo que a indicação de meu nome partiu de um amigo "das antigas", um dos melhores professores de química que conheci e de quem sempre gostei. O projeto do blog parecia bom: reunir pessoas distintas, com visões de mundo distintas e tentar criar um espaço marcado pela diversidade de idéias.

Pra quem me conhece, sabe da minha íntima relação com os blogs, este universo que me rendeu um doutorado. Desde 2003, mais ou menos, participo das blogsoferas hora como leitora, hora como blogueira, hora as duas coisas juntas. Adorei a idéia de voltar a blogar, ainda mais num projeto coletivo. O Chuva Ácida foi inaugurado em setembro, com 5 integrantes, sendo eu a única mulher do time. No entanto, pra não me estender em demasia, várias coisas minaram, aos poucos, minha afinidade com o projeto. A primeira delas, e mais importante, foi minha incapacidade de cumprir a "agenda" do blog, com um post semanal publicado sempre às sextas-feiras. Achei que seria possível, mas não foi. Manter-me no blog seria, portanto, desleal com meus colegas que me confiaram o convite e se esforçavam no sentido das atualizações diárias (princípio básico dos blogs, para quem visa uma audiência fiel e crescente).

Mas, foi justamente esta dificuldade de postar todas as sextas-feiras, em horário de "expediente", que acabou me mostrando quem sou eu, blogueira. (Re)descobri que não gosto do compromisso, nem com a periodicidade, nem com temáticas (pois o coletivo acabou adotando uma espécie de "linha editorial"), nem com as audiências. Isso não significa que eu não preze o leitor. Ao contrário. Quero, apenas, que o leitor chegue e se acomode no blog porque gosta do que ali encontra. Afinal, visita não precisa ser todo dia, não é? Quero um blog que me sirva como espaço de livre expressão, de ensaios de escrita, de ventilação dos pensamentos. Se alguém gostar, ótimo. Tão melhor quando gostam do que escrevemos! Quero um blog que sirva como multiplicador do que já venho lançando nas redes sociais pela internet. Aliás, a interação que tenho mantido em alguns espaços tem me desafiado, dia a dia, a transformar a simplicidade do cotidiano em algo interessante para quem me lê. Por tudo isso, eu não cabia mais no projeto coletivo e a idéia contida no "chove não molha" reflete meu aprendizado no Chuva Ácida, e isso explica o nome.

Sejam bem vindos!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Crônica de Natal

Natal com criança tem sabor especial. Através do meu filho, revivo as memórias de minha infância nas noites de natal. Cheiro de comida na casa: peru, farofa, arroz de forno. Espera e mais espera. Roupas novas. Sininhos e a passagem rápida do velho Noel. Tão rápida, que nunca conseguíamos vê-lo, apenas ouvi-lo. A realidade estava naquilo que sentíamos, e isso nunca ninguém nos tirou. Oração. Abraços. Votos de felicidade. Presentes. Enfim, todos no carro. Destino: casa da vó e do vô. Lá, muito barulho. Barulho bom, alegre, contagiante. A comida se multiplicava na mesa: verdadeiro milagre do encontro. Comida, neste caso, era gente. E, mais uma vez, oração, abraços, votos de felicidade, presentes. Tudo em torno dos meus avós. Lindo de ver e de viver.

Hoje, tenho minha casa, marido e filho. E tenho também o "meu" natal. A casa da vó e do vô é a casa de meus pais. Foi lindo ver que a casa da minha mãe, que já foi a minha casa, está virando aquilo que foi (e ainda é) a casa de meus avós. De volta à nossa casa, preparamos os nossos aromas: hortelã, alecrim e carne de cordeiro. Ao anoitecer, a campainha do interfone foi quem anunciou a chegada de Noel. E, como sempre, sua passagem foi tão rápida que Vicente só pôde ouvi-lo, não vê-lo. Abraços, presentes, sorrisos. Enfim, todos no carro. Destino: casa da vó e do vô que, hoje, são bisa e biso.

A presença de meu avô se transformou. Continua intensa. Mistura de sentimentos. Muita saudade. Alegria por saber que, de tantos modos, ele estava ali: no chacoalhar dos gelos nos copos de wisky, nas luzes coloridas, no barulho bom e contagiante que ele admirava em silêncio. Na comida farta. Na presença tenra e corajosa de minha avó. Na oração. Nos abraços. Nos votos de felicidade. Nos presentes. E nas crianças. Quantas crianças. E eu me vi naquele chão de madeira, brincando com meus primos, abrindo meus presentes, como se nada (e tudo) tivesse mudado, em mais uma noite de natal.