Em meio a toda movimentação de final de ano, com visitas chegando e mil coisas para resolver, acabei ficando por fora de algumas notícias. E ontem, ao abrir meu Twitter, fiquei surpresa com a enxurrada de posts e comentários criticando a publicação da MP 557, em 26 de dezembro último, que institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para a prevenção da Mortalidade Materna. Em suma, a MP visa construir um cadastro "universal" de gestantes e puérperas de modo a permitir a avaliação e o acompanhamento da atenção à saúde por elas recebidas durante o pré-natal, parto e puerpério. Com isso, objetiva-se identificar as situações de risco e reduzir os índices de mortalidade materna, alcançando as metas estipuladas pela ONU. Blogueiros e blogueiras, twiteiros e twiteiras de vários segmentos, atentos aos movimentos feministas e à pauta atual de lutas das mulheres, se posicionavam contra a publicação da medida provisória. Entre eles, Maria Frô (Conceição Oliveira), Fátima Oliveira (médica e membro do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução), Eduardo Viveiros de Castro (antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ), Idelber Avelar (professor de literaturas latino-americanas e teoria literária da da Tulane University/EUA).
A publicação da MP 557 representa, ao que tudo indica, a consolidação das medidas previstas pela Rede Cegonha, lançada em março deste ano pela predisenta Dilma Roussef. Através do SUS (Sistema Único de Saúde), a Rede Cegonha previa um conjunto de medidas que garantiriam às mulheres brasileiras "um atendimento adequado, seguro e humanizado desde a confirmação da gravidez, passando pelo pré-natal e pelo parto, até os dois primeiros anos de vida do bebê". Na época do lançamento da Rede, o Ministério da Saúde pretendia destinar quase 10 bilhões de reais para serem investidos até 2014 e que deveriam ser mobilizados, principalmente, na construção de uma rede de cuidados primários à mulher e à criança.
Quando lançada, a Rede Cegonha já mobilizou uma série de críticas vindas de figuras importantes do movimento feminista e movimentos da saúde no Brasil. Sobre isso, vale a pena ler a entrevista com a cientista social Telia Negrão, no blog Vi o Mundo (Luiz Carlos Azenha), publicada em 5 de abril de 2011. Ou, ainda, a entrevista com a farmacêutica e professora de Dep. de Saúde Pública da UFSC, Clair Castilhos, também no Vi o Mundo, em 2 de abril de 2011.
O que me parece mais relevante no texto da medida provisória, que deverá ser coordenada pela União, através do Ministério da Saúde, em cooperação com as administrações estaduais e municipais? Em primeiro lugar, é importante salientar que o sistema de cadastro visa alcançar mulheres clientes dos serviços públicos e privados de saúde, conveniados ou não ao SUS, desde que realizem acompanhamento pré-natal, assistência oa parto e puerpério. E, por isso, a publicação da MP inclui a modificação da lei n. 8.080, do Subsistema de acompanhamento da gestação e do trabalho de parto, parto e puerpério (de 19 de setembro de 1990), através do art. 19-J que diz:
O art. 11 da MP assegura o acesso público à relação das beneficiárias em meios eletrônicos de acesso público e em outros meios previstos em regulamento.
Mas qual seria o motivo da polêmica e das críticas se, a princípio, a MP 557 surge no sentido de ampliar o acesso das mulheres brasileira ao atendimento pré-natal de qualidade, ao parto humanizado e aos cuidados corretos e seguros no puerpério? A questão é que o cadastro público expõe a intimidade das gestantes e, principalmente, suas escolhas durante a gestação, incluindo a opção pelo aborto. Eis o ponto nevrálgico do debate: a criação de um sistema nacional e público de cadastro de gestantes e puérperas pode, em última instância, representar um retrocesso na luta pela descriminalização do aborto. E os abortos clandestinos e não assistidos - que causam inúmeras mortes entre as mulheres - continuam fazendo das mulheres "criminosas". Para além disso, a noção de vigilância presente no próprio título da medida provisória parece ferir drasticamente o direito da mulher de ser agente, ativa, no controle do seu próprio corpo, da sua intimidade e da sua capacidade reprodutiva. Sobre isso, Maria Frô publicou em seu twitter ontem:
O fato é que enquanto lutamos pelo aborto legal - sendo que este foi um tema importante durante no pleito eleitoral que colocou Dilma na presidência - o governo cria um sistema nacional de cadastro que, evidentemente, tem o potencial de colocar as mulheres que abortam no alvo do mesmo Estado que, hoje, criminaliza o aborto. E isso torna este debate essencial, necessário e urgente. Fiquemos atentos!
O debate pode ser acompanhado pelos twitter de @maria_fro, @oliveirafatima e @padilhando, do Ministro da Saúde Alexandre Padilha que, digno de mérito, tem respondido a todas as questões sem fugir do debate.
A publicação da MP 557 representa, ao que tudo indica, a consolidação das medidas previstas pela Rede Cegonha, lançada em março deste ano pela predisenta Dilma Roussef. Através do SUS (Sistema Único de Saúde), a Rede Cegonha previa um conjunto de medidas que garantiriam às mulheres brasileiras "um atendimento adequado, seguro e humanizado desde a confirmação da gravidez, passando pelo pré-natal e pelo parto, até os dois primeiros anos de vida do bebê". Na época do lançamento da Rede, o Ministério da Saúde pretendia destinar quase 10 bilhões de reais para serem investidos até 2014 e que deveriam ser mobilizados, principalmente, na construção de uma rede de cuidados primários à mulher e à criança.
Quando lançada, a Rede Cegonha já mobilizou uma série de críticas vindas de figuras importantes do movimento feminista e movimentos da saúde no Brasil. Sobre isso, vale a pena ler a entrevista com a cientista social Telia Negrão, no blog Vi o Mundo (Luiz Carlos Azenha), publicada em 5 de abril de 2011. Ou, ainda, a entrevista com a farmacêutica e professora de Dep. de Saúde Pública da UFSC, Clair Castilhos, também no Vi o Mundo, em 2 de abril de 2011.
O que me parece mais relevante no texto da medida provisória, que deverá ser coordenada pela União, através do Ministério da Saúde, em cooperação com as administrações estaduais e municipais? Em primeiro lugar, é importante salientar que o sistema de cadastro visa alcançar mulheres clientes dos serviços públicos e privados de saúde, conveniados ou não ao SUS, desde que realizem acompanhamento pré-natal, assistência oa parto e puerpério. E, por isso, a publicação da MP inclui a modificação da lei n. 8.080, do Subsistema de acompanhamento da gestação e do trabalho de parto, parto e puerpério (de 19 de setembro de 1990), através do art. 19-J que diz:
Os serviços de saúde públicos e privados ficam obrigados a garantir às gestantes e aos nascituros o direito ao pré-natal, parto, nascimento e puerpério seguros e humanizados.Quanto ao cadastro, a MP prevê a relação de gestantes e puérperas de risco, ocorrência de óbitos entre gestantes e puérperas com informações sobre as causas dos óbitos e o fornecimento, para as autoridades sanitárias, das informações necessárias à investigação das causas de óbito. Para as mulheres, a MP visa garantir a ampliação do acesso e qualificação do atendimento às gestantes e puérperas, previnindo a mortalidade materno-infantil e, nesse sentido, prevê um benefício de R$50 para toda mulher que for cadastrada no Sistema Nacional "com o objetivo de auxiliar o seu deslocamento e seu acesso às ações e aos serviços de saúde relativos ao acompanhamento do pré-natal e assitência ao parto prestados pelo SUS, nos termos do regulamento".
O art. 11 da MP assegura o acesso público à relação das beneficiárias em meios eletrônicos de acesso público e em outros meios previstos em regulamento.
Mas qual seria o motivo da polêmica e das críticas se, a princípio, a MP 557 surge no sentido de ampliar o acesso das mulheres brasileira ao atendimento pré-natal de qualidade, ao parto humanizado e aos cuidados corretos e seguros no puerpério? A questão é que o cadastro público expõe a intimidade das gestantes e, principalmente, suas escolhas durante a gestação, incluindo a opção pelo aborto. Eis o ponto nevrálgico do debate: a criação de um sistema nacional e público de cadastro de gestantes e puérperas pode, em última instância, representar um retrocesso na luta pela descriminalização do aborto. E os abortos clandestinos e não assistidos - que causam inúmeras mortes entre as mulheres - continuam fazendo das mulheres "criminosas". Para além disso, a noção de vigilância presente no próprio título da medida provisória parece ferir drasticamente o direito da mulher de ser agente, ativa, no controle do seu próprio corpo, da sua intimidade e da sua capacidade reprodutiva. Sobre isso, Maria Frô publicou em seu twitter ontem:
Um bom exercício para turma que não vê problema em controle é imaginar um governo não amigável e vc foco deste controle.O foco das críticas à MP seguem, portanto, na mesma linha das reivindicações pelo aborto legal: o direito da mulher de "legislar" sobre seu próprio corpo. Aliás, o tema dos direitos reprodutivo não é sequer lembrado no texto da MP. E, nesse sentido, parece estranho, realmente, que o tal Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para a prevenção da Mortalidade Materna, tenha sido instituído através de uma medida provisória (ou seja, através de uma canetada da presidenta, a despeito de qualquer consulta ou discussão mais ampla de democrática), publicada em época de Natal quando, naturalmente, a população está voltada às festas de final de ano.
O fato é que enquanto lutamos pelo aborto legal - sendo que este foi um tema importante durante no pleito eleitoral que colocou Dilma na presidência - o governo cria um sistema nacional de cadastro que, evidentemente, tem o potencial de colocar as mulheres que abortam no alvo do mesmo Estado que, hoje, criminaliza o aborto. E isso torna este debate essencial, necessário e urgente. Fiquemos atentos!
O debate pode ser acompanhado pelos twitter de @maria_fro, @oliveirafatima e @padilhando, do Ministro da Saúde Alexandre Padilha que, digno de mérito, tem respondido a todas as questões sem fugir do debate.